Entrevistas e Reportagens

Reportagem  publicada pela revista Veja
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_01031989.shtml


1º de março de 1989


A caça aos fantasmas
O país reage ao empreguismo no
serviço público e exige o fim
de abusos como a tolerância
com os que ganham sem trabalhar

Poucas coisas são tão saborosas para um político brasileiro quanto empoleirar parentes e eleitores no serviço público. Nada lhe custa e muito lhe rende - votos da parte dos eleitores e satisfação garantida dentro da família. Desde que Tomé de Souza desembarcou no Brasil como primeiro governador-geral, em companhia de sua comitiva de escrivães, contadores e jesuítas, há mais de quatro séculos, os governantes têm usado a caneta com paixão para aumentar seus quadros de servidores, necessários ou não, numa prática que levou a abusos grosseiros, mas que jamais esbarrou numa reação mais pronunciada da opinião pública. A situação, agora, é outra. Na semana passada, depois de acostumar-se a um novo debate em tomo da gordura excessiva acumulada na administração federal e nos quadros estaduais e municipais, os brasileiros mostravam sinais de que se inicia uma guerra contra os políticos compulsivos do empreguismo.
No Rio de Janeiro, a vereadora Regina Gordilho, do PDT, 54 anos, presidente da Câmara Municipal em seu primeiro mandato, era aplaudida por ter posto no olho da rua 388 funcionários fantasmas contratados através de expedientes criminosos, até com falsificação de documentos. Regina foi boicotada por colegas, recebeu pressão dos funcionários que comanda e até ouviu ameaças de morte pelo telefone de sua casa - mas vai em frente. "Os responsáveis pelas contratações também vão ter de se explicar", promete ela para um grupo encorpado de vereadores e funcionários atolados até o pescoço na irregularidade. Em Brasília, a ameaça dos barnabés nacionais, de onde o presidente José Sarney geriu a contratação de aproximadamente 100.000 pessoas em seus quatro anos de governo, o palco do combate transferiu-se momentaneamente do Executivo para o Congresso. Ali, a estudante Maria Aparecida de Oliveira, em pesquisa para escrever uma tese de ciência política na Universidade de Brasília, desvendou um escândalo familiar. Guiada por funcionários insatisfeitos com o protecionismo reinante no Legislativo, ela passou seis meses escarafunchando a intimidade dos gabinetes para descobrir que 197 dos 495 deputados e 22 dos 7 senadores empregam um total de 325 parentes com salários que chegam a 3.000 cruzados novos, enquanto o trabalhador brasileiro recebe em média 90 cruzados novos. "O pior que muitos nem trabalham", diz Aparecida.
Materialização - Nada disso é novo na essência, já que o clientelismo e o nepotismo se infiltraram nos hábitos nacionais antes da invenção do samba e da importação do futebol. A novidade nesse terreno está no fato de que denúncias como a de Aparecida e campanhas como a de Regina Gordilho parecem prosperar no Brasil atualmente, com ampla aprovação da opinião pública. Na Câmara Municipal de São Paulo, por exemplo, o presidente recém-eleito, vereador Eduardo Suplicy, do PT, conseguiu apalpar dois funcionários fantasmas que na semana passada se materializaram na sua frente 2 horas depois que ele fez uma chamada pelos alto-falantes, com a lista de servidores na mão. Feita a identificação dos fantasmas, o vereador Suplicy cumprimentou-os pelo comparecimento ao local de trabalho - e deu-lhes serviço imediatamente, diante de uma massa atenta de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Uma outra presa de Suplicy é Renato Tuma, irmão do diretor-geral da Polícia Federal, Romeu Tuma, que está há 35 anos na Câmara e atualmente exercia suas funções num certo Conselho Consultivo Metropolitano. O problema é que esse órgão deixou de funcionar há mais de três anos.
O caráter inovador desses números teatrais que arregimentam audiência certa está numa mudança óbvia. Durante muito tempo, os políticos brasileiros só tiveram a ganhar com as contratações de amigos e parentes, com a concessão de um cargo de fiscal do Inamps ao eleitor de sua região ou ainda com a tolerância diante de auxiliares que nunca compareciam ao gabinete para trabalhar. Pouco a pouco, vão descobrindo que essas práticas voltam-se contra eles com uma força insuspeitada. Examine-se o constrangimento de um político veterano como Humberto Lucena (PMDB-PB), ex-presidente do Senado, ao tentar uma explicação plausível para a presença de cinco parentes seus no quadro de pessoas remuneradas pelo Poder Legislativo - um irmão, um filho e três sobrinhos, sem contar um ex-genro que o Senado já sustentou e que hoje dá plantão como professor na Universidade de Brasília.
"É injustiça acusarem-me por nomear parentes", queixava-se Lucena na semana passada, depois de ter sido retratado na imprensa como um dos campeões do nepotismo no Legislativo. Não é sua primeira experiência como alvo de críticas desse teor. Em 1987, presidente do Senado, Humberto Lucena tomou posse de uma mansão no Lago Sul, que lhe cabia pelo exercício da presidência, sem abandonar um apartamento de 300 metros quadrados a que tinha direito como senador. Num país com um déficit de 8 milhões de residências, ele preferiu a mordomia em dose dupla. Em termos numéricos, no entanto, o senador Odacir Soares (PFL-RO) apresentava-se em situação mais incômoda: tem oito parentes no Senado e na Câmara, com salários que totalizam 13 907 cruzados novos - sem contar o seu, de 7 000 cruzados novos. Constrangido, o senador passou a semana imerso em seu gabinete.
Ninhos de protegidos - No Brasil de Tomé de Souza praticamente todo o mundo que não usasse pena na cabeça era servidor da Coroa. No Brasil de hoje, com 140 milhões de habitantes e 8 milhões de funcionários federais, estaduais e municipais, apenas 6% da população exerce cargo público. Os outros 94% que estão na iniciativa privada, do grande empresário ao camelô, sejam eles patrões ou empregados, chegam cada vez mais perto da conclusão inevitável. Sustentam um monstro estatal ineficiente nas funções que deveria exercer bem, como a administração dos serviços de saúde e educação, que é guloso nas áreas nas quais não deveria estar, como no controle da produção de café e açúcar, e que, para completar, alimenta ninhos de funcionários fantasmas e de parentes protegidos. Com essa mudança de foco no exame do problema, os políticos começaram a perceber que a popularidade, hoje, pode resultar mais da assinatura de demissões do que do carrossel das contratações.
É nesse vento que desliza atualmente a jangada do governador Fernando Collor de Mello, de Alagoas, que abriu espertamente sua administração com uma caça aos marajás de sua terra e agora está em plena estação de combate aos servidores pouco freqüentes nas repartições. Não se sabe exatamente quantos funcionários Collor demitiu. O simples fato de que ganhou fama como demitidor, no entanto, bastou para dar-lhe projeção nacional e o primeiro lugar entre os governadores do Nordeste em matéria de popularidade. No ministério do presidente Sarney, olha-se hoje com mais interesse para as manobras de um demitidor ranzinza, como o ministro do Planejamento, João Batista de Abreu, do que antes se acompanhava a ação permissiva de um contratador recorrente como o ex-ministro Aluízio Alves, que lotou a Pasta da Administração com 18 amigos e parentes às vésperas de deixá-Ia. Abreu, por enquanto, demitiu pouca gente, mas a impressão que transmite é a de alguém à espera de uma oportunidade para puxar a faca e fazer os cortes. É curioso, mas no Brasil de hoje há uma torcida generalizada para que o govemo faça mesmo aquilo que prometeu: tomar de volta os cheques mensais de 60 000 funcionários.
Até a esquerda, sempre pronta a defender empregos primeiro e só começar a discutir depois, está descobrindo que a direita saboreou a fase das contratações e agora deixou solto na arena o elefante obeso da máquina estatal, já completamente criado. E verdade que, na relação de parlamentares que contratam parentes, figuravam há pouco tempo deputados petistas como Luiz Gushiken, presidente do partido, que levou para a Câmara sua irmã, Regina, no cargo de assessora parlamentar. "Ela pediu demissão por sentir-se constrangida pela maneira com que essa questão do parentesco vem sendo tratada", conta Gushiken. Também está na relação um político como o deputado Augusto Carvalho, do Partido Comunista Brasileiro, que empregou o irmão José Eustáquio na função de motorista de seu gabinete. "Ele era caminhoneiro e é uma pessoa da minha confiança, além de trabalhar muito", justifica-se Carvalho. A esquerda, porém, aparece com timidez num animado cenário de contratações no qual deputados e senadores com dois, três ou mais parentes no gabinete encontram sempre uma justificativa para a situação - menos a de que convocaram familiares porque quiseram e ponto final.
"Querem colocar o Legislativo numa posição difícil", argumenta o senador Pompeu de Sousa (PSDB-DF), que tem um filho, um genro e uma nora no seu gabinete. "Existe um lobby de interesses contrários aos do povo", afirma o senador. Seu colega Jarbas Passarinho, líder do PDS, atribui comentários a respeito de seus quatro filhos lotados no Senado à perfídia dos adversários, interessados em torpedear seus projetos presidenciais. "Querem destruir minha candidatura", queixa-se. A avaliação é pretensiosa. É preciso menos do que isso para derrubar a candidatura do senador pedessista. Na Câmara, o deputado Bernardo Cabral, que foi relator na Constituinte, também recebe ajuda de um parente, o filho Antônio Julio Berardo Cabral. "Faço de tudo", informa Julio. "Às vezes, sou até motorista".
Trabalho Telepático - O problema dos parentes no Congresso não está no aspecto formal de suas relações de com a instituição, já que cada parlamentar tem direito a algumas poucas contratações de pessoas de confiança - que podem ser seus familiares e que deveriam deixar o quadro do Legislativo assim que o político desse o seu posto. A dúvida aparece quando se observa que um grande número desses protegidos não comparece ao trabalho nem deixa o Senado ou Câmara quando o protetor se afasta. Através de efetivações promovidas de tempos em tempos, tornam-se eternos nos postos que deveriam ocupar em caráter apenas transitório. Há, ainda, o fenômeno do trabalho telepático - feito a distâncias muitas vezes superiores a 1.000 quilômetros. Thais, filha do senador Humberto Lucena, por exemplo, está lotada no gabinete do senador Saldanha Derzi, do PMDB do Mato Grosso do Sul, mas mora no Rio de Janeiro e só vai a Brasília para visitar o pai. Não é uma situação incomum nos escaninhos mais prestigiados da República. Em 1984, quando embarcou 780 pessoas num trem da alegria que passou pela gráfica do Senado e outras 600 nos gabinetes da Casa, o senador Moacyr Dalla também transportou no comboio a filha do presidente José Sarney, Roseana. Atualmente com um salário de 4 000 cruzados novos por mês, lotada no Palácio do Planalto, ela também mora no Rio de Janeiro.
Na tentativa de identificar fantasmas - e sem saber exatamente quantos funcionários trabalham e quantos engambelam a vigilância -, o deputado Luiz Henrique (PMDB-SC) fez um esforço para instituir o relógio de ponto perto dos gabinetes da Câmara. Não conseguiu. Se a providência vingasse, serviria ao menos para que alguns chefes conhecessem os subordinados. Na semana passada, a Mesa da Câmara decidiu exigir a assinatura de uma lista de presença quatro vezes por dia, enquanto no Senado o primeiro-secretário, Mendes Canalle, conseguiu impor a idéia de se promover um recadastramento de todos os funcionários. O objetivo, por incrível que pareça, é saber onde trabalha e o que faz cada um dos 7 140 servidores que ali deveriam comparecer diariamente.
Hoje, a Câmara gasta 72% do seu orçamento com a folha de pagamentos, e o Senado torra 71 % -fato intrigante para um Congresso que, ao votar a nova Constituição, proibiu o poder público de investir mais de 65% de sua receita no pagamento do funcionalismo. Mesmo sem constituir ato ilegal, a contratação de parentes no Legislativo cria tantas situações delicadas e tantas oportunidades de burla que o melhor seria evitar esse tipo de relação trabalhista. "A tarefa de moralizar o Legislativo é complexa, mas ela é necessária porque a sociedade está exigindo uma satisfação dos parlamentares", diz o senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), que tem a fórmula curta e simples para solucionar o caso. Na semana passada, Fernando Henrique preparava o esboço de um projeto de resolução que proíbe que os parlamentares contratem parentes. Só isso acabaria com todos os problemas.
Passeio no sertão - Fica mais fácil entender os abusos no Legislativo quando se observa seu maior representante atualmente, o presidente da Câmara, deputado Antônio Paes de Andrade (PMDB-CE). Na semana passada, no exercício interino da Presidência da República, Paes de Andrade resolveu lotar um Boeing 707 presidencial e levar 63 pessoas para urna visita de pompa a Fortaleza e, depois, uma esticada até Mombaça, a sua cidade natal. Nessa empreitada, o deputado cansou funcionários da Casa Militar, que lhe haviam reservado um avião um pouco menor e tiveram de providenciar o 707 para a enorme comitiva de gala que se formou. Está aí um exemplo assombroso de como se pode abusar da máquina pública para satisfazer um delírio pessoal.
A Câmara já teve na presidência um parlamentar que sofreu uma crise de psicose maníaco-depressiva, o deputado Ulysses Guimarães. Com Paes de Andrade, ganhou um presidente sobre cujo equilíbrio mental pairavam dúvidas na semana passada. O espetáculo constrangedor de um presidente interino da República que imita estadistas em viagem, num périplo pelo sertão cearense com um séquito de figurantes engalanados, mostra o tamanho do fosso existente entre as estruturas arcaicas que vicejam em Brasília e o resto produtivo e real do país. Sobre o nepotismo no Congresso, Paes de Andrade revelou sua visão em uma frase: "Quando o parente é competente, o parlamentar sai ganhando. Mas quando o parente não é um bom profissional, o deputado é quem perde".
Minoria Privilegiada - Os funcionários públicos formam um pelotão de trabalhadores que, em geral, trabalham corretamente e ganham mal, justamente porque o quadro está inchado e existe uma tolerância excessiva para com os desmandos da minoria de privilegiados que o habita. A bandeira da demissão pode ser totalmente equivocada quando se procura abater trabalhadores a esmo nessa estrutura, que espelha sobretudo os defeitos de seus manipuladores. O atual governo poderia ter emagrecido bastante, se tivesse demitido lenta e gradualmente durante os quatro anos desde sua posse. "Não se pode esquecer que foi este mesmo governo que contratou boa parte do que hoje é considerado como excesso na administração", diz João Geraldo Piquet Carneiro, diretor do grupo Ipiranga, professor de Direito Econômico na Fundação Getúlio Vargas e encarregado, no governo Figueiredo, de um programa nacional de desburocratização. Segundo Piquet Carneiro, as pessoas revelam um certo cansaço diante da imobilidade geral e de abusos observados por toda parte. É provavelmente nesse terreno da frustração que cai com eficácia uma mensagem moralista como a do atual ministro da Justiça, Oscar Dias Corrêa, interessado neste momento em ressuscitar a censura, entre outras lembranças do passado.
O cenário desanima. Na Fundação Nacional do Índio, Funai, há nove aviões e cinqüenta pilotos. No Serviço Nacional de Informações, SNI, que empregou Edine Souza Correa, a mulher que acusa o ex-presidente João Figueiredo de ter mantido relacionamento amoroso com ela na época em que não tinha atingido a maioridade legal, os remédios e a alimentação são bens que os seus funcionários têm por preços subsidiados, o que seria ótimo, não fosse um privilégio negado à maioria absoluta população. O SNl ainda fornece apartamentos mobiliados e dotados de eletrodomésticos a seus servidores mais graduados. No Instituto Brasileiro do Café, autarquia cuja solução foi acertada há três anos, quando Roberto Gusmão ocupava o Ministério Indústria e do Comércio, há hoje 1 800 funcionários praticamente ociosos. Afinal, não existe um Instituto Brasileiro da Soja, e Brasil bate recordes seguidos com essa cultura. Na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, Sudene, órgão que tem sede num prédio de treze andares, no Recife, trabalham 2 900 funcionários. Isso segundo a folha de pagamento. Na última terça-feira, às 10 horas da manhã, dois terços das salas do prédio estavam vazias. No Conselho Nacional do Petróleo, órgão encarregado de traçar a política de abastecimento de combustíveis e fiscalizar o fornecimento através dos postos, 150 dos 170 fiscais são coronéis reformados do Exército, quando a nova Constituição proíbe a recontratação de aposentados pela própria administração federal.
Foi em Porto Alegre que se descobriu uma das distorções mais curiosas - pelo menos 45 pessoas foram contratadas pela prefeitura, na função de garis, e depois requisitadas para trabalhar em órgãos públicos menos insalubres, como a Câmara dos Vereadores, onde o salário pode duplicar com o acúmulo de horas extras. O negócio é tão vantajoso que a direção do Departamento de Limpeza Urbana, que acaba de mudar com a eleição do PT para a prefeitura, encontrou entre seus lixeiros diversos profissionais diplomados, como médicos e engenheiros. "Vamos demitir os que não voltarem a suas verdadeiras funções", promete o diretor do departamento, Darcy Campani.
Mar de lama - Nos registros recentes de escândalos dentro do funcionalismo, nada se igualaria, porém, à novela dos fantasmas da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Ali, a criminalidade entrou em cena com sua face mais deslavada e grotesca. O golpe se desenvolvia de forma tão rudimentar e exigia a participação de tanta gente que é difícil acreditar que tenha realmente ocorrido. O ataque ao cofre municipal começava com a falsificação de um documento supostamente preparado numa prefeitura do interior do estado, no qual se colocava à disposição da Câmara determinado personagem. O carimbo da prefeitura era falso, a assinatura do prefeito também e, muitas vezes, até o nome do beneficiado.
Bastava, então, que um vereador encaminhasse o portador a um funcionário de sua confiança no departamento de pessoal para que mais uma contratação fosse celebrada na surdina. Papéis em ordem, o beneficiado não aparecia para trabalhar, mas descontava seu cheque mensalmente. "Nós convivíamos com falsários aqui dentro", acusa a presidente da Câmara, Regina Gordilho, que farejou o mar de lama e acabou conseguindo apoio para fazer as demissões dos 388 fantasmas que nele se escondiam - num quadro de 2 500 funcionários.
Entre os cinco vereadores acusados por Regina de participar da falcatrua, apenas um, Carlos de Carvalho, do PTB, retruca com uma acusação de injúria contra Regina. "Vou provar que ela é uma charlatona", afirma Carvalho. "Botaram na cabeça dessa mulher que ela pode se eleger governadora através do barulho e, então, acabar com a Polícia Militar", acrescenta. Refere-se a um drama passado que trouxe Regina ao noticiário da imprensa e cujo desenvolvimento acabou por render votos suficientes para sua eleição em novembro passado.
Regina é aquela senhora agitada e colérica que, em 1987, perseguia policiais militares aos gritos em reportagens mostradas na TV, acusando-os de terem assassinado seu filho Marcellus. O rapaz, estudante de Educação Física e professor de natação, foi espancado até a morte por cinco PMs, após ter se recusado a entrar num camburão policial, na Cidade de Deus, Zona Oeste da cidade.
A partir daí, Regina Gordilho foi à luta numa campanha sem tréguas contra a polícia - e mais tarde foi aos votos, para apresentar-se na Câmara como uma espécie de guardiã da moralidade. Nesse papel, levantou o episódio das falsificações e manteve-se inflexível até a semana passada, quando já havia conseguido a demissão dos 388 acusados de envolvimento, a partir de uma investigação realizada por funcionários de sua confiança no departamento de pessoal da Casa. O caso ainda rola no limite do Legislativo carioca, mas a Polícia Civil começará a ouvir os envolvidos nos próximos dias, num inquérito presidido pelo subsecretário Heckel Raposo. "Vamos fundo nesse caso", anuncia Raposo, que promete apoio total de sua repartição ao caso levantado por Regina.
Bilhete azul - Qualquer que seja a solução dada a todas essas denúncias levantadas nos últimos dias contra abusos nos quadros do serviço público, alguma coisa sempre se lucrará. No curso desses casos barulhentos, ficará muito difícil para o Senado, por exemplo, fingir que está tudo bem e continuar de olhos fechados para a ação entre amigos que se desenvolveu dentro de suas fronteiras. Não se espera, é claro, que os senadores diminuam o quadro de pessoal, que tem mais de 90 funcionários para cada um dos parlamentares, mas se espera que resolvam pelo menos os desafios mais constrangedores. Um deles é o de saber por que há 135 jornalistas trabalhando na Casa - dos quais apenas 34 no exercício de suas funções. Os outros 131? Bem, nem a presidência sabe dizer onde trabalham ou mesmo trabalham.
O relógio de ponto pode ser uma solução - por sinal, repartições mais sensíveis aos alertas da opinião pública estão instalando cada vez mais esses aparelhos. "Mais de 100 prefeituras nos encomendaram relógios desse tipo", conta Dimas de Melo Pimenta, dono, em e São Paulo, da fábrica Dimep. A Câmara também terá a Iucrar se deixar de atribuir qual quer denúncia contra abusos cometidos por seus membros a campanhas insidiosas contra Poder Legislativo. Essa retórica lembra os apelos do governo autoritário ao fantasma segurança nacional. Não convencia naquela época na boca dos militares e não convence hoje no discurso dos parlamentares. Finalmente, pode-se ainda dizer que o Brasil é um país único em suas excentricidades. Maria Aparecida de Oliveira, a jornalista que fez a pesquisa sobre as relações parentesco e a fantasmagoria existentes no Congresso, foi demitida em abril de 1987 do serviço público. Trabalhava para o governo alagoano - mas em Brasília. O governador Collor de Mello examinou o caso, tirou a tampa da caneta e despachou um bilhete para ela.

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